sábado, 28 de maio de 2016

O Que Há Por Trás de 1 Música.......





Pois é, eu sou do tempo em que a maioria das músicas, tinha um começo meio e fim... E o mais interessante: não eram escritas totalmente ao acaso, mas sim, tinham um "PQ" por trás, um motivo, uma base, todo um contexto, fosse ele social, histórico, político...

Acredito que um dos períodos mais férteis da música brasileira, foi justamente no período da censura, da ditadura, onde se controlava até a respiração e o número de piscadas do indivíduo... E para que sua música fosse divulgada, e para não sofrer nenhum tipo de represália, agressão, fosse ela física ou moral, foi-se usada e abusada a sutileza, o "quero dizer, mas não disse" e principalmente o "ler nas entrelinhas"...

Um exemplo disso é a música "O Bêbado & A Equilibrista", onde no vídeo acima, a querida Elis Regina majestosamente interpreta, com melodia de João Bosco, e letra de Aldir Blanc, e gravada em 1979, período esse de grande repressão nas ideologias e assim, perseguições políticas... Se pegarmos parágrafo por parágrafo, teremos quase que uma completa aula de história do nosso BRASIL, tão vivo, intenso e pulsante, além de fortes pitadas de protestos e denúncias...

Deixe-me fazer uma análise, em especial dessa música, para melhor ilustrar a ideia de se expressar sem ser explícito:


"Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos..."

Em poucas palavras, começa aludindo à queda da tarde, ao período em que ocorriam as torturas, e liga a duas tragédias muito semelhantes ocorridas ambas em 1971, mas em Estados diferentes (um elevado no Rio de Janeiro e um pavilhão, em Belo Horizonte), que ceifaram muitas vidas... Mas por outro lado, quase como um contraste,  pode-se observar um “certo” otimismo que o país vivia até meados de 1960, tendo a figura de Carlitos (Charles Chaplin), que mesmo pobre, era um bom rapaz e muito bem educado...


... "A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel...

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!..."

Nesta estrofe, tem na luz da lua, o reflexo da luz do sol, remetendo a luz dos bons tempos do passado... Já nas linhas seguintes, a música nos revela uma forma figurada de se falar das consequências da ditadura, como as torturas cometidas, os exílios forçados, as pessoas desaparecidas, as famílias dilaceradas...

Visto por outro ângulo, o mesmo trecho, a lua em questão, representa os poderosos que exploram os trabalhadores, (aqui, na figura dos prostíbulos), mas que nada mais eram os políticos que se "venderam" aos militares, em roca de "favores"...

Por fim, a figura do mata-borrão, era um modo de falar de como eram "apagados" aqueles que saiam da linha, que desobedeciam as regras do período da ditadura...


"O bêbado com chapéu côco,
Fazia irreverências mil,
pra noite do Brasil,"...

Aqui, parece que o mesmo gentil homem de classe menos favorecida, mesmo com todas as dificuldades, buscava no sorriso e na brincadeira, um modo de driblar a tristeza...


... "Meu Brasil...
Que sonha, com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu, num rabo de foguete
Chora, a nossa PÁTRIA mãe gentil,
Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil"...

Aqui fica muito claro que a música fala daqueles que foram forçados a saírem do país, exilados, como o irmão do Betinho, Henfil, (pseudônimo do Jornalista Henrique Filho), além dos que foram perseguidos, torturados e mortos no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), como Vladimir Herzog, marido da "Clarices" mencionada em seguida, além da  tal "Maria", tb esposa de um metalúrgico torturado até a morte, acusado de fazer parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas seu verdadeiro crime foi ler o jornal "A VOZ OPERÁRIA"... Também, as tais "Marias & Clarices", que a música traz, não se restringem apenas a essas duas mulheres acima mencionadas, mas também a todas as mães, filhas ou esposas que sofreram as perdas de seus amores, filhos , irmãos e amados... Enfim, percebe-se uma leve ironia, num mínimo trecho do Hino Nacional Brasileiro, onde um Estado onde ao contrário de defender, mata seus filhos...


“Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar"...

O povo, mesmo oprimido, reprimido, sofrido, censurado, vivendo na corda bamba das regras dos militares, sobrevivendo da clausura de um mundo sem cor, sem vida, sem liberdade, sonha e luta por um novo amanhecer, dias melhores...


... "Azar
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...”

E, finalmente, independente do que e de como ocorresse tal reviravolta, não ia se esquecer facilmente de todas as lágrimas derramadas e marcas deixadas por era a partir de todas as dores, e tinham, além da esperança, a certeza de que um dia o jogo ia virar, e que teriam força e coragem suficiente para dar o troco, para viverem a vida cada um com sua arte de viver e acreditar sempre, em mudanças para melhor...



Seguindo, cito aqui um "gran-mestre" na arte de sugerir, encobrir, "dizer sem dizer", e que muito cantou esse período de silêncios, foi (e ainda é), célebre o trovador Francisco Buarque de Holanda, vulgo Chico Buarque... Aqui, vou apenas citar algumas de suas maiores e mais fortes obras, onde a primeira Apesar De Você, ele mesmo de “cabeça baixa”, vai aos poucos se preparando para a revanche, com fortes argumentos, justificando sua luta contra tanto controle, dor e tristeza, sofridos nesse mesmo período da ditadura no Brasil... E por outro lado, em A Banda, onde a letra fala muito de uma “distração” que simplesmente passa por uma cidade, e por alguns instantes, seus moradores se esquecem de seus “afazeres”, e se deixam levar por aquela alegria, mesmo que momentânea...


Outro exemplo é Valsinha, onde a letra dá a entender, que um casal, que há muito não se permitia quebrar regras (ou uma rotina marcada por mesmices), se entregam às redescobertas do amor, do querer-bem, e de tanto se envolverem e libertarem das amarras de um dia-a-dia maçante e controlado, acabam por despertar todo  seu entorno, contagiando a tudo e a todos, exalando enfim, sentimentos e energias positivas, assim como a tão sonhada PAZ... Outras como Cálice, Chame O Ladrão, Fado Tropical, Roda Viva...


Entre outros nomes que não necessariamente se omitiram, e com a cara, a coragem, a voz e um instrumento, cantaram e encantaram, tanto os horrores, como as esperanças, as belezas, temos Geraldo Vandré, com Pra Não Dizer Que Não Falei De Flores, Caetano Veloso, com É Proibido Proibir, ou ainda, do mesmo, Alegria, Alegria, de João Ricardo e João Apolinário, interpretado brilhantemente por um grupo chamado Secos e Molhados, Primavera Nos Dentes, de Raul Seixas, Mosca Na Sopa, de Taiguara, Que As Crianças Cantem Livres, de Gonzaguinha, É......


Enfim, o tenebroso período da ditadura brasileira, (que ocorreu entre 31/03/1964, com o golpe militar, até 15/03/1985, quando José Sarney assumiu a presidência, mesmo que o eleito tenha sido Tancredo Neves, mas o mesmo, já estava doente e não resistiu), foi uma corajosa época no quesito gritar a verdade, por liberdade, pela vida, mesmo que de forma não explícita, em todo e qualquer modo de manifestação artística e cultural, não só na música... Foi um período de grandes nomes, letras, textos, músicas, obras, manifestações teatrais, etc, pois o medo velava o que a coragem queria expor aos 4 ventos, para que todos soubessem a verdade e sentissem a força e a criatividade que tem um povo sofrido, sedento de VOZ e de VEZ... Assim, não acredito ser possível aceitar pura e simplesmente toda e qualquer música, mas é muito mágico saber o que existe por trás das letras, principalmente as escritas nesta fase da nossa história, assim como já disse em outro texto, sobre as obras de arte...


Uma vez, alguém me disse que "Conhecimento Não Ocupa Espaço", e com isso, saber não só o que pode estar tanto por trás de uma obra, de uma poesia, quanto de uma música, só acrescenta, enriquece e entendemos ainda mais o valor daquela manifestação artística e compreendemos ainda mais, conhecendo seu contexto histórico, e assim, mesmo que tenhamos uma outra visão, e/ou opinião, sabemos a verdade e o motivo pelo qual tal obra foi criada...

"Guernica"






O que é ARTE?!? Não seria talvez, um modo de representar de forma "uni", "bi", "tri", "poli" ou "indiferentemente", algo que não se vê e/ou toca?!? Ou, por outro lado, puxando os diversos ramos da ARTE, não seria ter a LIBERDADE de se colocar, não só por meio de desenhos, pinturas, esculturas, mas também, através da fotografia, graffiti, dança, música, teatro, canto, literatura, instalação, prosa/verso, happening, improviso, entre outros meios diversos e mais modernos de expressão?!?


E por ser uma forma de SE COLOCAR, de apresentar pensamentos, ideias, sentimentos, tanto o artista, quanto o intérprete?!? Enfim, não seria o modo mais criativo, "original" além de expressivo, de representar sensações, sentimentos, situações, partes de uma história, ou talvez imortalizar alguém, ou por algum feito ser imortalizado, na busca constante de deixar registrado algo ou algum momento, para toda a eternidade?!?


Pensando dessa forma, o que se tem em ARTE (independente do período, artista, ou motivo pelo qual determinada obra foi feita) até então, será que ela deve ser EXPLICADA, impondo assim um modo "CERTO" de ver algum trabalho?!? Ou será que ela pode (e deve), ser pura e simplesmente PERCEBIDA, SENTIDA, ANALISADA, OBSERVADA, ABSORVIDA, ASSIMILADA, INTERPRETADA & "ENTENDIDA", individualmente ou não, cada um à sua maneira, independente se tem uma história, uma vontade, um momento, um questionamento (ou não), nos seus bastidores, ou seja, por trás do que ela queira representar?!?


Puxando por essa linha de raciocínio, me vem em mente, um outro questionamento: Afinal, É POSSÍVEL "LER" uma imagem, uma escultura, um objeto de arte?!? Felizmente, a resposta é SIM!!! Indiferente se conhecemos (mesmo que superficialmente), ou não o contexto histórico no qual aquela obra de arte está inserida... Ou ainda: não importa (muito) se soubermos a razão pela qual ela foi criada, ou o motivo ou razão da sua criação, isto é, se é ou não um protesto, se quer nos contar algo, nas entrelinhas, ou se talvez é uma simples uma homenagem a alguém...


Parodiando Alberto Caeiro, estaria ele certo em dizer que: "Pensar é mesmo estar doente dos olhos..."?!? Será que tem-se sempre a necessidade, ou ainda, a OBRIGATORIEDADE de se ESTUDAR um trabalho artístico?!?!? É "lei" se analisar todo o "ANTES-DURANTE-DEPOIS", com todos os "PORQUÊ´s", "COMO´s", "ONDE´s", "QUANDO´s"?!? Qual a melhor forma de admirar uma obra de arte?!?


Seria apenas contemplando sua técnica, ou sempre investigando as razões do produto final?!?!? Não seria melhor, ANTES DE TUDO, apenas OBSERVAR, ABSORVER, para depois se tentar uma, mesmo que simples, ANÁLISE?!? Se o seu contexto histórico já for sabido melhor ainda, mas acredito que não seja QUESITO OBRIGATÓRIO, mas pode ser visto como um COMPLEMENTO, para se tentar compreender o todo...


Temos um exemplo muito claro e objetivo do que disse até então, observando a obra acima, a famosa "GUERNICA", pertencente a um dos movimentos artísticos do  século XX, o Cubismo, onde um dos seus "pais" e dono da obra, é Pablo Picasso, e que ainda que haja uma corrente que afirme que tal quadro foi feito inicialmente como homenagem a um toureiro de quem Picasso era fã, a obra em questão imortalizou-se como retrato dos horrores da Guerra Civil Espanhola, com toda dor, sofrimento, mortes, destruição...


Temos como pontos fortes e claros, o fato da mesma ter sido feita em tons (em degradê & chapada de preto/branco/cinza), o que faz carregar em sua composição, toda uma atmosfera sombria e misteriosa, contribuindo para sobrecarregar o clima de tensão e medo; os traços simples mas objetivos e fragmentados e suas expressões de sofrimento, além do modo em que estão dispostas as figuras e formas em seus 350 por 782 cm, e que para se chegar a tanto, foram feitos não menos de 45 esboços, podem levar o espectador de volta à 26 de abril de 1937, em meio aos bombardeios da Guerra Civil Espanhola, com toda dor, sofrimento e mortes de inocentes...


Enfim, não venho aqui AFIRMAR que EXISTA UM COMO EXATO DE SE OBSERVAR UMA OBRA, mas sim que existem caminhos e visões diferentes e possíveis para tanto... Mesmo porque cada espectador tem um modo particular de ver, entender e sentir uma obra, principalmente se partirmos dos motivos pelos quais tal trabalho foi realizado...


Bem, de qualquer forma, independente se vc é grande entendido das ARTES em geral, ou não, partir de alguma base, um motivo, uma história (até então oculta), é sempre um bom  começo para a apreciação de alguma obra, trabalho, instalação, ou seja o que for que estiver sendo exposto, apresentado...


E a partir desta "base", é que cada indivíduo, com a sua visão particular pode dar a sua opinião, sem se preocupar se está CERTO ou ERRADO, só pelo motivo ORIGINAL da criação da obra, pois não existe uma certa OBRIGATORIEDADE, nem REGRA ou mesmo LEI que exija um modo correto de se interpretar determinado trabalho... Cada um TEM O DIREITO de ter sua própria opinião sobre o que quer que seja... Mas o mais interessante, é ter um ALGO MAIS que é conhecer não só sobre a obra, como também saber sobre o artista, ou o movimento artístico em que o mesmo está inserido... E porque não, além de toda essa "pesquisa" prévia, não se buscar também saber em que contexto histórico em que a obra e/ou o artista, está inserido...


BORA EXPLORAR, DESCOBRIR, IR ALÉM...